sábado, maio 28, 2005

Sob domínio

Ela estava parada na calçada.
Não esperava nada, exceto talvez um bendito táxi que a tirasse daquele friozinho inesperado e a levasse para o costumeiro frio de sua casa. Ergueu a cabeça para respirar porque ultimamente parecia que o ar era insuficiente, rarefeito como em grandes altitudes, o que era um paradoxo uma vez que a sensação era de estar num buraco fundo...
Foi no movimento lento de baixar a cabeça que ela o viu, parado do outro lado da rua, esperando um táxi, talvez? Não. Mais parecia que ele esperava que ela o visse, tal a maneira fixa como a encarava por sobre os carros parados no congestionamento da rua boêmia.
Ela queria desviar o olhar, condicionada por uma educação fora de época, queria erguer um escudo, uma muralha, uma fortaleza onde ficasse imune ao que pressentia no olhar dele. Não conseguiu. Ele, imóvel, apenas esperava.
Os olhos... Os olhos presos a ela, como se reféns do mesmo sentimento inexplicável. Como se fossem íntimos desconhecidos. Ao redor deles o burburinho aumentava com o avanço dos minutos. Algumas pessoas estranhavam a mulher parada, outras reclamavam passagem. Ela não percebia nada. Só sentia que a espera tinha terminado. Não queria mais o bendito táxi. Não sentia mais frio. Sentia a face quente como se febril.
Ele deu um passo para a rua. Buzinas. O passo firme o trouxe pela correnteza de carros. O olhar nela. E a rua sendo atravessada devagar. E os olhos nela, sempre.
O único movimento dela era aquele respirar sofrido, que fazia o peito subir e descer depressa. Via a aproximação dele indefesa, ou melhor, sem querer se defender. Poderia ter andado para longe. Poderia ter corrido. Gritado. Desaparecido na multidão. Não fez nada. Queria atravessar a metade da rua que faltava para estar com ele.
Perto. Tão perto ele estava que o perfume que usava invadiu os pulmões dela, e, de repente, o ar era bom de novo. Tão perto que o perfume dela arrepiou os pêlos dele. Eles se respiravam.
Os olhos deles agora se buscavam, querendo ver a alma. Ela viu o medo dele, que também era o dela. Ele viu a solidão dela, a mesma solidão que dormia com ele todas as noites.
Sem sequer notarem as mãos se tocaram, se enroscaram, se prenderam com força, os dedos ficando brancos, ligeiramente doloridos.
Ela abriu os lábios, como se fosse dizer algo. Ele engoliu em seco e sorriu. Ela não disse nada, ficou olhando aquele sorriso subir para os olhos dele, o que o fez parecer menino. E ela teve que sorrir também, um pouco tímida, um pouco moleca como há muito não se sentia.
E os dois deram o primeiro passo juntos. E o segundo... Sabiam para onde estavam indo, finalmente. O caminho brilhava com neon e desejo à frente deles.
Uma porta. Paredes. O barulho lá fora, distante. E dentro o barulho de beijos e roupas jogadas no chão naquele quarto simples, barato, testemunha de outros amores, alguns sinceros, outros pagos.
E o desejo vinha em ondas. O corpo dele vinha em ondas dentro dela. E o corpo dela o recebia com uma vontade que parecia não ter fim. E não tinha.
O prazer independia do gozo, mas o gozo veio. Entre gemidos e suor. E pele ardendo e lençol molhado. E corações batendo, batendo, batendo... O sangue pulsando nos ouvidos, um zunido...
Calmaria vindo. Respirar mais lento. Corpos unidos ainda, pernas trançadas. Cabelos espalhados. E um riso leve...
Os olhos dela dentro dos dele. Os dois sem perguntas, sem nome, sem pressa. Apenas a aceitação do destino. Talvez fossem dois carentes. Talvez fossem dois viciados. O único receio que tiveram foi serem feitos um para o outro. E eram.

2 comentários:

Anônimo disse...

Apenas maravilhoso! Doce e encantador, como o encontro de um amor, na esquina do desejo contido... A narrativa perfeita para essas maneiras de poetar!! Belíssimo, mesmo, querida... me emocionou!!! Lindo, lindo e leve... e navegador... conto de fadas crescidas... Com direito a final feliz!! Beijos agradecidos por poder partilhar essas palavras!! Vc se sai muito bem poetaproseando!

Anônimo disse...

per-fei-to! tive um momento assim, não chegando aos finalmentes do seu texto, mas quase assim... parece que vc tava me narrando... ai ai... como vc é boa, mulher, decifra qualquer mulher.
beijo pra vc.