sábado, abril 30, 2005

Tique-taque

O relógio parou,
o tempo, não.
Gostaria que tivesse sido
o contrário...

Os ponteiros girando
e o tempo sobre nós,
parado como o ar
do meio-dia,
deixando tudo eterno...

Brisa

Um momento de silêncio,
uma calma infinita,
o olho do furacão.

Ao redor,
a vida girando,
enlouquecida,
procurando por nós.

Esquece, vida...
Estamos perdidos...

Passo

Minha memória é falha,
mas guarda a medida exata
de teus passos pela casa,
o ritmo,
o som,
a pressa de chegar,
a lentidão ao partir.

Esse teu caminhar
pela minha vida,
visitando meus cantos escuros,
criou novas estradas
para novos destinos,
apagou pegadas antigas.

Minha memória é falha,
mas em minha mente brilha
como um farol
tua certeza de chegar,
com teus passos leves,
à minha alma perdida.

terça-feira, abril 26, 2005

Noturna

Boa noite, insônia...
Senta aqui a meu lado,
dá palpite em minha poesia,
ri do meu ar patético
quando me rendo a ti...

Dormir para quê,
se o sonho só acontece
diante de meus olhos
vermelhos,
injetados,
febris,
inevitavelmente abertos...

Cama para quê, insônia,
se gosto de ficar assim,
passeando pela casa a teu lado,
alinhando livros,
vendo-te me olhar
com teus olhos solitários,
reflexos dos meus...

Boa noite, insônia,
vai embora, já é quase dia,
obrigada pela companhia...

Lupa

Ando a procura da leveza,
mas meu coração pesa,
minha alma se enrosca em culpas
e o vôo da tua promessa
não acontece.

Ando a procura do silêncio,
mas tua voz não cala
dentro de mim.

Procuro o desejo que fere,
em dentes, unhas, olhos,
mas esse desejo só existe
sob teu peso,
que me deixaria o coração leve,
a alma solta,
o silêncio extasiado.

Procuro tua pele ensolarada,
tua cara de menino que fez arte,
teu jeito de homem que sabe
do mar,
do céu,
de mim.

E nessa minha busca
só encontro a certeza
de ser sempre
tua.

Fato

Durmo
todos os dias
com a minha
covardia,
companheira
de cama
fria,
fria,
fria.

segunda-feira, abril 25, 2005

Álbum

Pessoas colecionam selos,
moedas,
quadros,
conchas,
coisas.

Eu coleciono você
em lembranças,
em palavras,
em atos,
em mim.

Sentidos Falhos

Quantas vezes te vi
do outro lado da rua
e atravessei contrariando
os sinais?

Quantas vezes ouvi tua voz
na multidão,
perdida entre mil vozes?

E teu perfume no ar,
quantas vezes senti,
segui,
persegui?

Tanta busca para tão pouco encontro...

O rosto, a voz, e o cheiro
não eram teus...
És meu desejo projetado
diante de mim,
miragem,
graal.

Minha dor é ser tua,
enquanto tu apenas
és.

domingo, abril 24, 2005

Perdão

Eu te devo a luz do Sol.
Com que direito te condenei a sombra,
ao horário fixo,
ao silêncio?
Eu te devo o portão de minha casa
onde jamais estiveste.
Eu te devo minha família,
meus amigos,
minha vida,
um espaço na agenda,
uma foto no mural.
Porque têm horas em que o amor não basta.
Têm horas em que o amor...
O amor...
O amor esquece o outro,
que não quer ser só o outro,
quer ser o único.
Por te dever tanto,
por nada pedires,
por tudo eu te amo
e te peço perdão.

sexta-feira, abril 22, 2005

Tinteiro

Quando me apaixono
compro canetas,
porque a poesia do mundo
há que sair de mim
aos jorros.

Quando me apaixono
brotam pilhas de papel
pela casa,
porque um verso fugidio
há que ser escrito
sem demora.

Quando me apaixono
nascem em mim
os excessos de palavras,
de gestos,
de sonhos.
E o sonho maior que tenho
é que a paixão
nunca me falte.

Visual

Às vezes, mais do que sentir,
desejo ver o movimento de teus dedos
na minha pele,
o lento passeio,
o deslizar,
o aperto.

A hipnose premeditada
no toque,
no ritmo,
no silêncio quase completo
do nosso mundo de penumbra.

Sinto falta de olhar a posse sem posse
de tuas mãos no meu corpo,
a certeza de teus dedos,
a calma do carinho de quem se sabe dono
sem palavras,
sem papel,
sem papéis.

O desejo de te ver em mim
me cega.

Em chamas

Quando resolveste voar, bárbaro,
sem intenção de retorno,
queimaste a ponte que flutuava
entre tua prisão e tua liberdade,
margens de tua vida.
Não há como saber se esse vôo
satisfez teus impossíveis anseios,
mas do calor das tuas chamas eu sei:
a ponte, bárbaro, era eu...

Desalmada

Por baixo da pele,
minha alma te olha,
silenciosa.

Depois sai por meus poros,
em busca da gêmea,
que mora em ti.

quarta-feira, abril 20, 2005

Insidiosa

Entrei na sua vida pelas frestas,
um pouco de cada vez,
porque foi preciso conquistar
de dentro pra fora,
ser vitalmente necessária
sem que você percebesse.

Como eram altas demais suas muralhas,
entrei por suas portas mal fechadas,
aproveitei cada descuido
para deixar em você
um pouco de mim.

Até que chegou o dia
em que você me olhou
magicamente apaixonado...
Sua surpresa foi tanta
ao se ver tão possuído
que eu fiz cara de santa
e me deitei a seu lado...

Antes das seis

Os amores clandestinos são protegidos
pelos horários estranhos,
pelas janelas fechadas,
por nomes sem sobrenomes,
por códigos telefônicos...

São amores de meio de tarde,
de rendas novas,
serviço de quarto
e sonhos não partilhados,
última refeiçao do condenado...

Os amores escondidos têm o dom
de fazer o dia mais longo
para uma história caber
em outra história,
a vida ser duplicada...

Quando termina o prazo
de um amor proibido,
ele não consta na folha
corrida da nossa vida,
só fica na pele para sempre
um inexplicável arrepio...

terça-feira, abril 19, 2005

Lux

Se só és deus por minha idolatria,
que te amo entre pedidos e promessas,
dando graças a cada milagre que fazes
em minha vida perdida,
como posso te culpar por criar num gesto
a luz do prazer que me cega,
o paraíso de tua presença
e o inferno a que me condenas
com teu silêncio?
O poder que tens vem de mim,
que te criei anjo,
demônio,
homem.

sábado, abril 16, 2005

Corpo Fechado

Em cada célula do meu corpo
colocaste uma senha
secreta como a nossa vida.

A palavra mágica
que me abre
só tem sentido
nos teus lábios.

O meu feitiço
só se realiza
por teus meios
encantados.

Minhas portas cerradas
esperam o som
de tuas passadas
ritmadas.

Meu corpo diz não
se não é do teu corpo
a tão desejada
invasão.

quinta-feira, abril 07, 2005

Míope

Só me vi
quando
me viste.

Desconhecida

Eu te dedico cada detalhe,
brinco colocado,
vestido meio justo,
perfume, salto alto
e no espelho,
de repente,
o susto:
quem é essa que me olha,
de olhar vidrado,
pensando sabe-se lá
no primeiro,
verdadeiro,
namorado?

Eu te dedico a primeira chama
que há de ser fogueira,
incêndio em mata seca
porque deixaste em mim
a brasa adormecida
que só espera teu sopro de vida.

Espelho

Às vezes penso
que se me olhar
bem de perto
vou ver você.
Afinal somos
o que pensamos.

Mordida

Tenho fome.
Quero me nutrir de ti,
viver do som da tua voz
sem ligar para o que tua voz me diz...
Só o tom rouco,
o riso grave,
masculino...

Tenho fome.
Quero me saciar de ti,
saber teu suor,
teu gosto,
teu cheiro...
Quero teu corpo por inteiro.

Deixo tua alma para os anjos
se minha fome não chegar primeiro...

Diário

Meu coração é meu calendário
tem segunda, terça, quarta...
e os dias em que não te vejo
sangrando em vermelho.

No meu peito as fases da Lua
crescente, nova, minguante e cheia
dançam no alto dos meses
e das noites em que não fui tua.

Meu coração diz quando é feriado,
dia santo, facultativo ponto,
mas não sabe o dia ou a hora
do nosso eterno encontro marcado.